sábado, 17 de julho de 2010

Apito final.

Thales Machado, de Belo Horizonte - Brasil, e Lucas Paio, de Beijing - China




Thales Machado, de BH
Muita coisa acontece de 4 em 4 anos. Mas é impressionante o quão um mês de Copa é produtivo. Talvez não na noção de produtivo ao se pensar a labuta, o desenvolvimento pessoal e egoísta, ou mesmo o ganho de capital. O mês de Copa é produtivo porque passa rápido. Traz informações inúteis que fazem o mês e a Copa passar, seja ganhando como a Espanha, seja perdendo como o Brasil, seja nem participando como a China.

Percebe-se o quanto eu gosto dessa coisa toda. E ao botar um ponto final nesse texto, o último do blog, vai ser o fechamento de um ciclo. A Copa acaba pra mim.. Volto ao que os burocratas chamam de realidade, passo a me preocupar exclusivamente com o Botafogo e com a necessidade de me empregar. E a planejar como viverei 2014, de preferência, rico.

Lucas Paio, de Beijing
Em 86, eu ainda não sabia falar e nem gritar gooool. Em 90, só me lembro do Amarelinho sambando na tela do SBT. Em 94, colecionei o álbum de figurinhas, me lembro de todos os jogos do Brasil, da cotovelada do Leonardo do Tab Ramos, da voz roufenha do Galvão gritando é tetra, é tetra. Em 98, torci com esperança até a desastrada final. Em 2002, era a época de acordar de madrugada e faltar à aula de manhã. Em 2006, trabalhei durante a maioria das partidas, mas da janela podia espiar a TV na cozinha e curtir ao menos os replays.

2010 marcou a primeira vez que vi a Copa num país estrangeiro. Em território neutro, lar de uma seleção que só participou uma vez na História, mas em companhia de amigos, conhecidos e avulsos de todos os continentes. Notando a decepção genuína no rosto dos nigerianos que perdem a vaga para as oitavas, ou a alegria autêntica das alemãs ao final de mais uma goleada. Fazendo de Sanlitun uma filial tupiniquim na China, uma Brasiltown mais barulhenta e agitada do que as dúzias de Chinatown espalhadas por aí. Vivendo uma Copa que, afinal, não é só da gente ou do vizinho rival, mas de todo esse Mundão Véio Sem Porteira.

Thales
O dia da final da Copa é daqueles que você acorda, e na espreguiçada inicial já se recorda que é dia de final. Assim foi na manhã de 11 de julho. O sol latente me lembra que não existe inverno de dia aqui no Brasil: impressionantemente, em julho, bermuda e sandália compõem o meu figurino para a peleja decisiva. Como não é Brasil, não é Uruguai e não é África do Sul, a camisa não é roja nem laranja, é neutra: boto uma com o símbolo da Copa que adquiri mediante pagamento lá na África para celebrar o dia. Como, além de fim de Copa, o 11/7 é um dia especial no meu calendário de afeições particulares, saio para um belo almoço de Domingo. Nas saídas pelas ruas belorizontinas nessa manhã de final de Copa, nada demais. Um Atlético-MG x Grêmio Prudente faz mais barulho em BH do que um Espanha x Holanda. Só escuto, quando passo no supermercado, a caixa fazendo sua análise fundada no racionalismo futebolesco "vai dar Espanha, o polvo falou, mas não é porque ele adivinha. É que agora que ele falou os holandeses estão com o psicológico balançado". Será? Juro que me pergunto.

Um blog sobre a Copa sem uma foto do Polvo Paúl não é um blog sobre a Copa.
Lucas
Enquanto o onze de julho começa a nascer no Brasil, na China já passou da terceira idade. O jantar é ao ar livre, hot pot cheio de boi, carneiro, peixe, camarão. Mesa cheia, muitos amigos, nenhum espanhol ou holandês, mas a maioria quer assistir à final, afinal. O horário é que não ajuda. Se na primeira fase eram três jogos pro dia, às 19h30, 22h e 2h30, agora só às 2h30, terminando literalmente de manhã. A chuva chove mas não molha muito; voltamos para casa mantendo o plano inicial de nos encontrarmos às duas para ir ao Bla-Bla-Bar, sempre ele, ver os momentos derradeiros do Mundial 2010. Às duas e dez, recebo uma mensagem do Joe, inglês: “acho que vou ficar em casa mesmo”. Ligo pro Laurens, belga, e não há resposta. Desisto de andar vinte minutos pra ver o jogo sozinho e cambaleio até a sala.

Thales
Três e meia da tarde e o apito inicial é ouvido no Soccer City. Se minha Copa começou em uma cadeira de bar à beira do Oceano Índico, passou pelas cadeiras do Ellis Park em Johanesburgo, do Moses Mabhida em Durban, ela termina aqui, sentado na confortável cadeira do papai, comprada para a Copa do Mundo, em frente à TV comprada com o mesmo fim. Penso onde e como estaria o Lucas no momento em que tenho que fechar a persiana da sala porque o Sol atrapalha a visão da TV.

Poltrona ou "cadeira do papai", conforto para a Copa.
Lucas
Lembro da partida de abertura da Copa, África do Sul 1 x 1 México, quinze pessoas se acotovelando para ver o jogo na televisão que dá problema, todas esperançosas com suas próprias seleções. Um mês depois, já foram todos, meu Brasil, a Alemanha da Tina e da Heike, a Inglaterra do Tom e do Joe, a Coréia do Dave e dos meus colegas de classe, o Portugal do André e da Vera, a Itália da Martina e de mais uma multidão, a Austrália do Michael e do Jules, a Dinamarca do Mika, o Japão da Emina, a Nigéria do Henry e do Charles. São 2h30 da manhã e eu começo o jogo morrendo de sono no sofá da sala.

Thales
A impressão inicial é que a Espanha vai ganhar. Fico, de certa forma, feliz por isso. Não é a final que eu queria, nem mesmo a final que eu queria se o Brasil não estivesse lá. Queria é torcer para alguém. Mas já no início do jogo, com a Espanha um pouquinho melhor, me recordo que vi o primeiro jogo da Espanha no estádio, contra a Suíça, em Durban. "Uau, que legal, vi o primeiro jogo da campeã", reflito. Mas logo após me pergunto se isso é realmente legal, afinal, foi o único jogo que os espanhóis perderam, 1 a 0, gol de um suíço que duvidosamente atende pela alcunha de Gelson Fernandes. Na dúvida se é legal ou não, concluo pelo sim, afinal é a primeira vez que um campeão começa a Copa perdendo um jogo, portanto, concluo que foi um jogo histórico e que é bacana ter ido e ter o ingresso guardado.

Ingresso do jogo "histórico". Será que vale dinheiro daqui a 40 anos?

Lucas
Espanha ou Holanda? Me recuso a torcer pelos laranjas que nos eliminaram. Mas a Espanha é como a Argentina era até uma semana atrás, o hype do momento, todo mundo veste a camisa, todo mundo diz que gosta. Quer saber? Torço mesmo é pro polvo terminar invicto, com 8 acertos em 8. (Oito? Octopus? Eita...)

Thales
Futebol é tão incrível que você se diverte se irritando. É incrível. Durante os 90 minutos iniciais me irrito com o 0 a 0, com a violência praticada pelos Países Baixos, com a minha indecisão entre assistir na Globo ou na ESPN, com os gols perdidos sejá lá por quem for, com o Dunga, e com o Galvão Bueno quando ele resolve pronunciar o nome do zagueiro espanhol "Carles Puyol".

Fim de jogo, teremos prorrogação. O meu medo de um 0 a 0 sem sal com pênaltis sem graça aumenta, e me pergunto se não dá pra declarar os dois vice-campeões e o polvo campeão.

Lucas
Uma final chocha que se estende além da conta. Vou fazer o quê? Lutar contra o sono que me puxa de volta para o repouso cada vez que tento levantar a cabeça? Coloco o alarme do celular para daqui a dez minutos e é assim que vejo todo o segundo tempo e a prorrogação, no soneca, acordando a cada dez minutos só pra constatar que o placar segue no zero a zero. Dormindo, sonho que o jogo foi pros pênaltis.

Thales
Já chega a noite quando começa a prorrogar. Galvão faz as mesmas perguntas, Arnaldo responde as mesmas respostas. O jogo melhor, e de fato, percebe-se que a Copa irá para a terra de Alejandro Sanz. No meio do jogo, meu pai apareceu, expulsando-me da cadeira do papai e me relegando a um reles sofá. É de lá, marrom, dois lugares, ambos preenchidos, ângulo reto para a TV, acompanhado por um edredon que protege do frio que chega para falar que é Julho e que inverno ainda existe, que vejo Andrés Iniesta fazer aquilo que se não pode ser chamado de "gol do título", nada mais poderá. Nenhum grito, nenhum foguete, nenhuma saudosa vuvuzela. Só um sorriso no meu rosto, já que o poeta já dizia que "não precisa ser de placa eu quero ver gol". Não precisava ser de placa, e não podia ser de pênalti. Espanha campeã mundial.

Lucas
Já é de manhã há muito tempo. É verão na China: o sol se vai às oito da noite, e volta às quatro da manhã. Agora já são quase cinco. Acordo com o soneca do celular e me assusto com o placar: um a zero, finalzinho da prorrogação. Perdi o gol do título por um alarme mal calculado. Levanto, esfrego os olhos e acompanho os últimos segundos, dois times chorando, um com a vitória inédita, outro com o terceiro vice-campeonato. A sensação é de vazio, nada de Copa por longos quatro anos, mas também de alívio: chega de acordar de madrugada pra ver futebol. Na próxima Copa, quero meu fuso horário de volta.

O sono ainda permite uma foto do campeão. CCTV - China.

Thales
No primeiro post aqui do blog, falei que o blog duraria até o momento que um dos mais de 700 jogadores convocados por suas pátrias levantasse a Taça Fifa em cima de sua cabeça. E Iker Casillas, goleiro e namorado da repórter, o faz. Está evidente na TV: a festa acabou. Ainda me libero para mais um paragráfo e um videozinho final, afinal, um longo e tenebroso inverno de 1000 dias sem Copa nos aguarda.

O vídeo é um resumo de toda a Copa do Uma Copa, dois Mundos. Terminando aqui nesse post, é legal, dar o play é uma boa maneira de se distrair por 5 minutos.


Lucas
O convite do Thales para escrever um blog a quatro mãos. O pré-Copa, a expectativa, as apostas. A partida de abertura lá em casa, muita gente, um bolão que eu perco, pra variar. O frango do Green, a estréia morna contra os norte-coreanos, a chinesa que não curtia futebol e vira torcedora. A waka waka da Shakira que toca a cada intervalo, música chata, gruda na cabeça. As mesas ao ar livre no Bla-Bla-Bar, as discussões com o dono escroto, a multidão torcendo contra o Brasil, mas ganhamos da Costa do Marfim assim mesmo, toma, moçada. A namorada e a amiga alemãs que quase morrem a cada jogo e gritam “scheisse!” a cada passe errado. A italianada triste com o time que não avança, o resto do mundo feliz com a França que também vai cedo. A fé cega no polvo, que acerta uma, acerta duas, acerta oito, só faltou gritar ah, eu sou molusco! O Brasil não toma jeito, e toma gol, tchau, Dunga, foi ruim enquanto durou. A festa argentina termina também, tchau, Maradona, morro de dó. A Alemanha que perde para o polvo mas ganha da Celeste, terceiro lugar de novo, final dormindo no sofá, o gol que eu não vi, uma Copa que eu curti pacas.

Thales
A promoção, a notícia que venci, e ir buscar o prêmio em Campinas. A viagem, a chegada, o hotel à beira do Oceano Índico. Safári, passeio por Durban, gol do Tshabalala, África do Sul. Ida a Joburg, jogo da Argentina, taxista maluco. Alemanha x Austrália, 4 gols. Histórias e histórias. A vuvuzela que domina os estádios, a minha vuvuzela. Brasil jogando contra a Coréia, frio abaixo de zero, ver o jogo que ficou pra História como a primeira vez que um campeão é derrotado no primeiro jogo. A volta para casa, a inércia da África do Sul. Os jogos do Brasil em família, os erros de arbitragem, o pé frio do Mick Jagger, o golaço do Tevez, o bom 3 a 0 no Chile, o Uruguai que não pára, o Paraguai que não pára e ainda leva o celular no meio dos seios fartos. Um dia incrível: o Brasil sai, tristeza, o Uruguai ganha o jogo mais incrível da Copa com uma cavadinha sensacional de Loco Abreu que relembra momentos de felicidade. A Argentina sai, e que time tem essa Alemanha. Quase que dá para o Paraguai. Uruguai desde criancinha e de novo, quase que dá para o Uruguai. O polvo, que acerta e a Alemanha sai. Que jogo na decisão do 3º lugar, e o polvo acerta. O fim, a final, o polvo acerta, gol do Iniesta. Que Espanha, que polvo! Que Copa.

E quem há de discordar que Copa do Mundo é uma ótima maneira de ver o tempo passar?

Apito final. Aqui não tem prorrogação.




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5 comentários:

  1. Parabéns Thales! Parabéns Lucas!
    O Blog ficou realmente muito bacana e, não posso deixar de usar um chavão pra me expressar sobre o último post: fecharam com chave de ouro!
    hehehe Muito legal!
    Estamos juntos na expectativa pra 2014!
    Um abraço!

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  2. Muito bom esse blog de vocês. Fiquei entrando todo dia pra ver se tinha post novo desde o começo. Isso graças ao blog do Lucas, o Boca de Gafanhoto que descobri 'sem querer' e me fez acessar esse aqui.
    Por culpa suas eu fiquei com vontade de ir pra China estudar ou 'só' visitar mesmo. E continuei e aumentei a minha vontade de ir pra África, não só a do Sul, mas outros países também.
    Valeu e até.

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  3. Caras, preciso dizer que adorei os posts de vcs, é muito saber que tem gente que ainda sente deste jeito. Que não sou tão louca assim. Fica a sugestão pra 2014, ponham uma voz feminina tb, vcs vão descobrir que o futebol pra mulher tem um gostinho diferente. Se quiserem estou disponível, HAHAHA!
    Valeu boys!

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  4. Legal velhos! Bom final para o uma copa dois mundos. Inté. Pai (do Lucas)

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Seja na China, ou seja no Brasil, tenha a certeza que alguém está agradecendo o seu comentário!